Monday, January 04, 2016

DINÁ, A FILHA ÚNICA DE JACÓ - FORMAÇÃO EM CONTEXTO FAMILIAR CONTURBADO



Jacó tinha duas esposas que se tornaram rivais em uma briga sem fim pelo marido, apesar de serem irmãs. Por causa disto, na prática, ele acabou ficando com quatro mulheres, pois cada uma das duas esposas acrescentou combustível nas chamas da rivalidade ao colocarem suas respectivas escravas à disposição dele para que continuassem a ter filhos para elas. Era um tipo antigo de “barriga de aluguel”. Só que alugaram o marido também. Bila, escrava de Raquel, gerou duas crianças que foram considerados filhos de sua senhora. Zilpa, escrava de Lia, fez a mesma coisa a mando desta.
Jacó gerou nos primeiros anos, de Lia, a Rubem, Simeão, Levi e Judá. Depois disso, vendo Raquel que não conseguia ser mãe (Lia 4 x 0 Raquel), colocou sua serva Bila à disposição do marido e dela foram gerados e Naftali (Lia 4 x 2 Raquel). Mas Lia se apressou e usou o mesmo artifício, colocando sua serva Zilpa para coabitar com Jacó. De Zilpa foram gerados Gade e Aser (Lia 6 x 2 Raquel). Depois disto, a própria Lia voltou a conceber e deu à luz a Issacar, Zebulom e Diná, (a única filha que Jacó teve). Lia ampliou sua vantagem nesse jogo de mau gosto (9 x 2).
Depois desses dez filhos e uma filha, o Senhor abençoou Raquel fazendo-a reprodutiva. Deu à luz a outros dois filhos de Jacó, José e Benjamim. Lia acabou vencendo esse lamentável jogo por 9 x 4. Mas Raquel era a mulher que Jacó mais amava. Os dois únicos filhos que ela deu à luz foram os preferidos de Jacó dentre todos os demais e foram eles os protagonistas destacáveis na migração da família para o Egito, especialmente José, que se tornou o governador ali.
Todos os filhos de Jacó, exceto Benjamim, nasceram quando ainda trabalhava para seu sogro (Gn 29.31-34 e Gn 30.1-25). Algum tempo depois do nascimento de José, Jacó conseguiu se livrar do jugo de seu sogro e voltou para a terra de seus pais. Benjamim nasceu bem depois, no meio das peregrinações da família, após partir de Betel e faltando pouco para chegar a Efratá. Raquel morreu no parto de Benjamim (Gn 35.16-18), o que fez desse caçula ainda mais especial pra ele, depois que perdeu José, a quem julgava morto.
Será que Diná foi uma adolescente desocupada e curiosa?
Imaginemos a única menina educada em uma família permeada de homens gerados de quatro mulheres, inclusive duas escravas. Até o tempo em que habitaram em Siquém, eram 11 rapazes e ela, a única moça. Quantas indagações não teriam tomado conta de seus pensamentos? Sendo filha de um pai rico, tendo 11 irmãos para cuidar de muitas coisas, além de vários servos e servas que se ocupavam de muitos afazeres para a família, o que sobrava para a moça fazer? Escolas nem existiam, mas talvez pudesse aprender pelo menos a ler em casa, mas isto não era para mulheres...  Assim, sobrava muito tempo ocioso.
Aquele contexto de vida deve ter gerado muita curiosidade em sua mente tão jovem. Para uma moça sem quase nenhuma ocupação, a curiosidade se torna um perigo. É melhor matar a curiosidade estudando, trabalhando ou conversando com os pais e pessoas mais maduras da família. O pior é quando a curiosidade induz a alguma aventura. Os desdobramentos podem ser os piores possíveis. Diná deveria ter entre 16 e 18 anos incompletos quando quis matar a curiosidade sobre as moças daquela terra onde sua família morava.
A família de Jacó – suas duas mulheres, as duas escravas e todos os filhos que resultaram daí estavam morando próximos à terra de Siquém, cujos moradores eram parte dos cananeus idólatras e de baixo senso de justiça e moral. Provavelmente não houve qualquer conversa orientadora de Jacó e Lia com ela. Era preciso orientá-la e preveni-la dos perigos que aquela terra oferecia.
Curiosa, resolveu sair para ver as moças da terra. Estava buscando fazer amizades com outras jovens de sua idade. É natural que, sendo a única moça da família, se sentisse só. Mas ela não tinha a menor ideia da cultura permissiva dos habitantes do lugar. Os príncipes da terra achavam natural seduzir uma jovem, prendê-la em casa e só depois, se agradassem dela, pedi-la em casamento.
Sua curiosidade custou muito caro a ela e a todos os homens de Siquém. O príncipe da terra que dava nome à cidade se encantou com a beleza da menina, levou-a para sua casa e a seduziu. Não deve ter havido violência, pois Siquém se apaixonou mesmo e buscava falar ao coração dela. Mesmo assim, foi uma sedução que hoje se classifica de estupro de vulnerável. E teve desdobramentos lamentáveis.
Diná não deve ter saído sozinha. Jacó e Lia não o permitiriam. Talvez estivesse acompanhada de uma ou mais servas da casa. Contudo Jacó não contava que, mesmo acompanhada, ela corria o risco de ser molestada. Um ou mais acompanhantes não impediriam abusos dos dominadores da terra. Somente estar acompanhada explica como Jacó ficou sabendo imediatamente do acontecido entre ela e Siquém. As acompanhantes teriam voltado e contado como Diná foi recolhida à casa de Siquém e ficou retida por lá. Talvez Diná tenha tido até oportunidade de contar às prováveis acompanhantes o que lhe acontecera depois de consumado. Comunicaram, então, a seu pai.
A verdade é que Diná teve uma experiência traumatizante que não imaginava ter enquanto era seduzida por Siquém. Jacó, quando recebeu a notícia, se calou e aguardou a chegada de seus filhos. Depois que eles ficaram sabendo, ficaram indignados – irados com ânsias de matar. Siquém propôs reparar o erro, pedindo-a em casamento, primeiro através de Hamor, seu pai, e depois ele mesmo falou a Jacó.
Jacó ficou muito abalado, mas não parece que ficou com pensamentos de vingança. Contudo Simeão e Levi, também filhos de Lia como Diná, ficaram transtornados de ódio. Contiveram-se a princípio para preparar uma armadilha mortal para Siquém, seu pai e todo o povo da terra. Fingiram aceitar a proposta de casamento com a condição de que todos os siquemitas fossem circuncidados. A condição foi aceita. Hamor, Siquém e todos os homens da cidade se submeteram à circuncisão. No terceiro dia, o corte da circuncisão estava bem inflamado e a dor era mais intensa, enfraquecendo sobremaneira os varões. Foi fácil para Simeão e Levi, somente os dois, matar todos os homens ao fio da espada, inclusive Hamor e Siquém. Seus demais irmãos vieram e saquearam a cidade, tomando para si todos os bens disponíveis, além das mulheres e crianças para servirem como escravos.
Foi uma fase negra na vida de Israel. Deus os predestinara para ser bênção para todas as famílias da terra, mas ali houve imprudência, ódio, vingança, morte e dor. E tudo começou com o despreparo de uma adolescente com pouca ocupação e cheia de curiosidade. Mas os servos de Deus podem aprender as mais preciosas lições com seus próprios erros. Jacó deve ter aprendido muito ali. Diná aprendeu também, ainda que provavelmente deva ter passado o resto de sua vida sozinha por força da cultura de sua época. Não foi possível esconder sua humilhação de todo mundo.
Há muitas lições a serem aprendidas desse contexto familiar conturbado e suas consequências na vida de Diná.
1 – A bigamia ou poligamia não foi determinada por Deus. Ele apenas a tolerava e sabia de suas consequências. Queria que os próprios homens aprendessem na prática. Podemos observar que em todos os casos narrados nas Escrituras há rivalidade entres as esposas e concubinas, além de estresses vividos pelo marido. A educação de filhos fica prejudicada e pode ter consequências danosas. O que aconteceu com Diná foi uma das consequências lamentáveis.
2 – Quanto mais vulnerável é um filho ou filha, mais necessidade de ocupação precisa ter sob as vistas dos pais. Aliás, desocupação é um perigo para qualquer pessoa, até para um idoso. Mas devido às energias e curiosidade natural, os jovens são mais necessitados de ocupação, principalmente o estudo.
3 – Uma das ocupações imprescindíveis aos filhos é o tempo de conversa com os pais, para receberam orientação, que pode ser chamada também de disciplina preventiva. Quem aplica bem a disciplina preventiva raramente vai precisar lançar mão da disciplina punitiva. O que atrapalha muito uma família no repasse de disciplina preventiva são seus problemas de relacionamento. A família de Jacó, em face da rivalidade entre as duas esposas e do uso até de escravas para gerar filhos, não podia ter um bom relacionamento. Impossível relacionar-se bem e livremente, em um contexto assim, mesmo que fruto de costumes culturais. Os filhos sofrem as consequências, aprendendo a cultivar rivalidades, sentimentos revanchistas, além de acharem que os jovens de outras famílias são mais felizes. Não seria por isto que Diná estava curiosa por conhecer as moças daquela terra?
4 – A orientação ou disciplina preventiva deve ser realista. O mundo não é um conto de fadas. “O mundo inteiro jaz no maligno”, diz a Bíblia (1 João 5.19). Há predadores por toda parte. Ninguém deve ser superprotetor, mas é preciso ensinar os jovens a se protegerem evitando todo caminho que ofereça perigo. Parece que Diná não recebeu essa disciplina preventiva. Deve ter saído com o coração cheio de poesias, envolto em contos de fadas e de príncipes encantados. Mas a realidade é dura. É preciso ensinar os jovens a se guardarem de todo tipo de perigo, seja para o corpo ou para a alma. O cristianismo das redes sociais está tendendo mais para o romantismo poético e a autoajuda, mas só as Escrituras lidas cristocentricamente podem tornar sábio o coração e a mente dos jovens.
5 – Quando não se tem prevenção, sobra frustração. Da frustração, vêm atitudes de revolta, de vingança, traição e violência. Todos os desdobramentos da exposição de Diná a um povo com pouco ou nenhum senso de justiça e moral deu no que deu. Vulnerável, acabou seduzida. O ato de Siquém lançou chamas nos pavios de dinamite do ódio no coração dos irmãos dela. A explosão foi inevitável. Com isso, vieram as mortes, os saques e o cativeiro de mulheres e crianças.
6 – Sem o senso de mudança de coração, a proposta é religião. Os irmãos de Diná propuseram apenas um rito religioso – a circuncisão. Mas sem arrependimento, mudança de mente ou novo nascimento, nada se repara – relacionamentos não se refazem, o perdão não é pedido nem concedido. De nada adianta exigir que alguém faça profissão de fé ou seja batizado se não houver verdadeira mudança de coração. De nada adianta ser filho de crentes e estar integrado na igreja sem não houver temor de Deus. Jesus tocou no âmago dessa questão ao dizer a Nicodemos: “Se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. [...] ...importa-vos nascer de novo” (João 3.3,7).
Tomara as famílias cristãs compreendam os alvos de Deus para elas. Como filhas de Abraão pela fé em Jesus Cristo, são predestinadas para ser bênção para as demais famílias. É necessário ter muito bom relacionamento interno e poderem viver a plena liberdade em Cristo. É necessário que pais tenham autoridade do viver no caminho para que os filhos acolham a disciplina preventiva com entusiasmo. Saibam os jovens que, enquanto os reinos deste mundo não passarem a ser amplamente dominados por Jesus Cristo, haverá predadores por toda parte. Há muito do que fugir, muito a evitar. Saibam, especialmente, que o principal é ter a transformação total do coração e da mente. Nada de simplesmente viver sob uma capa religiosa.

Sunday, December 26, 2010

O PRIMEIRO AMOR AO REINO DE DEUS


São lindos os primeiros dias, meses e anos de conversão. "Ficamos como quem sonha", usando as palavras finais de Salmos 126.1, ainda mais para quem não teve qualquer direcionamento cristão de família na infância, ficando à mercê de vizinhos e colegas, que eram os que me convidavam para as reuniões de suas comunidades religiosas.
Meus primeiros contatos com o cristianismo aconteceram em uma igreja metodista, na verdade uma congregação. Minha mãe e eu atendemos o convite de um casal vizinho. A gentil senhora era membro da referida igreja, enquanto seu esposo era da igreja batista da pequena cidade chamada Miracema, situada no extremo noroeste do RJ. Com pouco tempo, a congregação metodista fechou, por decisão de sua sede na cidade vizinha de Santo Antonio de Pádua. Passamos então a frequentar irregularmente a igreja batista, onde por dois anos consecutivos cheguei a participar dos programas de Natal. Ali, minha mãe ganhou uma Bíblia, a primeira que adentrava nosso conturbado lar.
Depois que nos mudamos para outro bairro, já não tínhamos vizinhos evangélicos. Meus amigos agora frequentavam o catecismo na igreja católica matriz da paróquia. Tinha cerca de 9 anos de idade. Contudo, a Bíblia que minha mãe ganhara continuou nos acompanhando. Costumava ler aquela Bíblia em voz alta para uma velhinha que morava com meus avós adotivos. Era a vó Madalena, como eu a chamava, irmã de meu avô, que apreciava ouvir minhas leituras bíblicas enquanto ia tecendo seus crochês. Depois de crescido, quando a vi pela última vez já doente e vendo a morte se aproximar, ela me falou que sempre se lembrava dos tempos em que ouvia minhas leituras da Bíblia. Era muito católica, mas não tinha preconceitos contra ouvir leituras em uma Bíblia protestante, principalmente por um menino que ela admirava muito e fazia questão de comentar com outras pessoas sobre a facilidade com que ele aprendera a ler tão rápido e bem.
Mas meus amigos católicos me convidaram para participar do catecismo e lá fui eu. Aprendi muito sobre Jesus e os santos católicos. De vez em quando ganhava algum santinho como recompensa pelas respostas corretas que, ao final da aula, a catequista fazia aos alunos. Não me lembro de ter aprendido tanto nas igrejas evangélicas que frequentara antes, talvez por ter sido uma frequencia muito irregular. No catecismo, a frequencia era assídua e pontual, pois queria estar lá com meus estusiasmados colegas. Terminado o ciclo de aulas no catecismo, chegara o momento de receber a primeira comunhão. Minha mãe fez questão de preparar aquelas roupinhas brancas que se usavam na época. Ficou faltando apenas um lacinho ou algo parecido que os meninos usavam fixos no braço esquerdo, quase à altura dos ombros. Mas um colega me emprestou o dele apenas para tirar a foto histórica, que guardo até hoje com carinho.
Os momentos que antecederam a primeira comunhão foram, sem dúvida, emocionantes. Depois da confissão auricular com o sacerdote, a diretora do catecismo se ajoelhava com cada um e os envolvia com um abraço terno, procurando valorizar muito aqueles momentos, carregando-os com a emoção de palavras estimuladoras que soavam como poesia. Uma música que buscava valorizar o catecismo era entoada pelos próprios alunos. Lembro-me apenas de que o primeiro verso dizia que o catecismo consola, o segundo fazia uma referência à cruz e terminava: "quem não frequenta a escola não sabe amar a Jesus".
Mas a emoção daqueles momentos se esvaiu aos poucos, diante das realidades vividas e observadas. O formalismo ritual e outras ênfases daquele catolicismo não mantiveram o mesmo foco em Jesus, conforme sentira no catecismo. Daí para o "deixa a vida me levar" na adolescência foi rápido, mesmo que a personalidade de Jesus Cristo continuasse a me impressionar quando o cinema exibia filmes sobre ele ou pelo menos fizesse menção dele.
Ainda na adolescência, aos 17 anos, minha mãe se separou de meu pai adotivo e foi morar em São Gonçalo, cidade próxima ao grande Rio. Fiquei em Miracema até completar aquele ano letivo (1967). No ano seguinte fui juntar-me a ela. Conheci novos amigos, católicos e espíritas. Não era ainda o tempo de Deus para uma amizade evangélica que me conduzisse de novo às Escrituras. Quem se tornou o amigo mais próximo era de família duplamente espírita: às terças-feiras eram kardecistas, aos sábados, umbandistas. Com ele, passei a frequentar as duas reuniões. Como sempre acontece quando espíritas recebem novos participantes assíduos, disseram que eu era médium e deveria desenvolver a mediunidade. Aí fui eu, começando pela mesa kardecista. A vida pessoal, contudo, não sofria qualquer mudança para melhor. Com esse mesmo amigo e outros amigos dele acabei experimentando maconha. Graças a Deus a experiência foi muito ruím: a droga não me levou às nuvens, antes pelo contrário, levou-me aos abismos da depressão, em pleno carnaval, quando tentava me divertir. Vieram experiências ruins também com a saúde, contaminado que fui umas duas ou três vezes com DST. Como consequência, vinha o desespero, ao ponto de clamar por socorro às entidades da umbanda no centro onde frequentava. Parecia que os medicamentos não faziam efeito ou demoravam a fazer.
Profissionalmente, era um simples operário da tipografia. Mas acabei entrando em uma aventura que deu errado. Pedi que o patrão me demitisse para que pudesse sacar o FGTS e aplicar o produto em um disco de carnaval. Compuz uma marcha que tomou o nome de "Jardim de Carnaval", gravada por um iniciante chamado Haroldo Silva. Ainda dei parceria a outros dois aventureiros como eu, um deles achando que a música prometia. Mas, ao final, foi um dinheiro totalmente jogado fora. Um dos parceiros, o que mais investiu na divulgação da música, disse depois que tinha "entrado em uma fria". Na mesma época, buscava trabalhar no rádio. A princípio fui usado como repórter de campo, em jogos de futebol amador de Niterói. Depois fui para o estúdio, onde ficava como locutor de plantão. Queria ser locutor e cheguei a fazer testes no Rio em uma rádio de menor expressão. Mas, como nada sabia de Inglês, fui reprovado.
Acabei me satisfazendo mesmo com o simples emprego de operador de transmissores, ganhando um salário mínimo por mês, quando a rádio em que vinha trabalhando como amador foi vendida para o hoje extinto grupo Bloch, que viria depois a ser a rádio Manchete. No inicio, achava gratificante, mesmo ganhando muito pouco, porque estava em contato com o mundo do rádio. Porque trabalhava ouvindo música o dia inteiro, no auge dos melhores sucessos de Chico Buarque, Roberto Carlos, Jackson Five, etc., achava isso o máximo. O trabalho consistia apenas de ligar, vigiar as oscilações do transmissor durante o dia e desligar ao fim do dia, conforme o horário de trabalho. Não havia esforço físico nem mental. Depois de algum tempo, o tédio chegou. O salário minguado começou a incomodar, especialmente porque dívidas se acumulavam. Fui então pedir aumento de salário, mas demissão foi a resposta. Tentei cobrar horas extras na justiça, mas acabei sendo enganado e induzido a assinar um acordo, no qual não ganhei muita coisa ou mesmo nada.
Voltei a trabalhar em tipografia. Nessa volta, conheci um colega que frequentava a Primeira Igreja Presbiteriana de Niterói. Convidado a comparecer, atendi. No dia 10/06/1972 voltava mais uma vez a entrar em uma igreja evangélica. Antes, em 1968, tinha atendido o convite de outro colega, de outra tipografia, para visitar uma igreja metodista. Mas nada, absolutamente nada, me moveu a voltar ali, nem mesmo a bela irmã daquele colega que procurava me fazer o máximo de agrados que podia. No entanto, a visita àquela igreja presbiteriana em Niterói mexeu com minha mente e coração. Foi no momento certo, após várias decepções religiosas, afetivas, estudantis e profissionais. Era uma reunião de jovens onde uma moça falava e desafiava com simplicidade e convicção. Decidi que iria frequentar aquele grupo, que se reunia aos sábados. Poucos dias depois passava a frequentar todos os trabalhos da igreja: reuniões de oração, estudos bíblicos, a escola e os cultos dominicais. Mais um pouco e já estava matriculado na classe de catecúmenos, sendo preparado para a profissão de fé e batismo. Não me lembro ao certo, mas creio que mesmo antes de estar na classe de catecúmenos, já pedia ao tesoureiro da igreja um envelope de dizimista.
A luta contra o pecado continuava, mas a alegria daquela nova comunhão era indizível. Logo algo interior me levou a dizer para alguém que eu iria para o seminário. Aquilo tomou corpo, até que decidi conversar com o pastor, Rev. Felipe Dias. Não esperava tanto entusiasmo dele. Acabei sendo recebido como aspirante pelo Conselho ainda naquele ano, com menos de 6 meses de convertido e menos de 3 meses de professo e batizado. O Presbitério de Niterói aprovou minha candidatura naquelas condições, mesmo havendo quem não acreditasse muito em mim, talvez pela imaturidade. Creio que o fator que mais pesou na aprovação foi meu espírito decidido e de entrega à fé no evangelho, que era muito notado e comentado.
Cheguei ao Seminário Presbiteriano do Sul em fevereiro de 1973, sem idéia do que já era o mundo evangélico dividido em tradicionais, pentecostais, renovados e liberais. Devido ao meu espírito piedoso, fui mais atraído pelos de tendência pentecostal, que me pareciam mais comprometidos com o reino de Deus. Encantei-me com a primeira devocional de que participei na capela do seminário, principalmente porque foram entoados dois dos hinos de que mais gostava, frequentemente executados em minha igreja de Niterói. Isso me fez sentir totalmente em casa. Ainda vivia o sonho daquele primeiro amor ao reino e isto se estendeu por todos os anos do seminário.
Creio que foi em 1974 que comecei a usar minha musicalidade para dar expressão àquela vida de sonhos. A primeira música que compus tinha mesmo que falar de minha conversão. Não sei como, mas a idéia da construção de um edifício me veio à mente. Um edifício que eu pensara em construir, durante toda a minha vida, no terreno baldio do meu coração, mas sequer conseguia remover todo o entulho de sujeira que estava ali. Eu jamais poderia construir esse edifício. Um edifício de amor em coração de pecador só o poder de Deus em Jesus Cristo pode construir.
A música, de início, recebeu o nome reduzido de "O Edifício". Em 1975 a gravei em estúdio para reprodução de algumas dezenas de fitas cassete. Fiz uma distribuição doméstica e gratuita para meus colegas e irmãos mais próximos. Agora, em 2010, voltei a grava-la, com algumas modificações. O título foi acrescido para "Edifício de Amor". A letra sofreu algumas alterações em função do amadurecimento poético e teológico, mas a mensagem permaneceu a mesma. Mesmo quando tinha paz passageira foi alterado para Mesmo quando estava pra brincadeira.
Pois era fraco e um fraco não ganha ficou muito melhor na expressão Os desacertos da fraqueza não ganha. A frase que se referia à paz obtida "do fundo" foi substituída por De sua paz derramada eu me inundo. Se eu dizia antes que O alicerce é a Palavra de Deus, prefiro agora substituir Palavra por Escritura, para especificar que estou me referindo à Bíblia e não a um conceito subjetivo de Palavra, como fazem os barthianos e os que consideram as Escrituras apenas um registro de experiências religiosas dos que escreveram suas diversas partes. A última frase, Que me acolheu ao meio dos filhos seus, é cantada agora Que me incluiu na aliança dos seus, para me identificar como crente na aliança de Deus com Abraão e toda a sua descendência, não a de carne e sangue, mas a da fé.
Apesar dessas alterações, a música permanece representando bem aquele período de primeiro amor ao reino de Deus em minha mente e coração, que eu situo entre 1972 e 1976.
Confira a canção AQUI. Aparece uma foto de 1970, antes de acontecer a conversão, quando o terreno baldio do coração era ainda um entulho de sujeira sem nenhuma perspectiva.

Wednesday, September 08, 2010

INTERAÇÃO AUTOR/TEXTO/LEITOR NA BUSCA DAS ESCRITURAS

A disciplina Português 2, do curso de Validação de Créditos de Bacharel em Teologia que fiz em 2006, requereu dos alunos um trabalho sobre a interação entre o autor e o leitor na comunicação escrita. Em meu trabalho, de duas páginas mais um parágrafo (leia todo o texto aqui), defendi que essa interação depende, antes de tudo, do grau de interesse do leitor pela produção do autor. O próprio autor, ao produzir suas obras, já reage também como leitor em equivalente grau de interesse por determinados assuntos.

É claro que esse grau de interesse existe apenas no leitor verdadeiro, que não é aquele simples consumidor de ideias passivo e inconsequente. Esta espécie de leitor, na verdade, faz apenas leitura superficial ou seu campo de conhecimento é muito limitado sobre o assunto abordado. Não consegue interagir efetivamente com o texto, o que se percebe em seu diálogo com ele, em assentimento ou oposição. Não havendo leitura atenta e nem capacidade de associar o texto com outros discursos, a interação do leitor com o texto e seu autor fica evidentemente prejudicada.

Como isto se aplica na leitura da Bíblia?

Primeiro, como isto se aplicou nos próprios autores humanos das Escrituras? Os que creem na inspiração plenária e verbal das Escrituras estabelecem a priori que seu autor primário é o Espírito Santo. Mas os autores humanos não foram meros instrumentos secundários, como um Chico Xavier psicografando mensagens do além.

2 Pedro 1.21 nos revela que “homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”. Este mover do Espírito não os anulava nem lhes ditava termos e frases, mas os conduzia em interação pessoal consciente com os assuntos que abordavam de tal forma que podemos afirmar que sua autoria humana na verdade vem a ser uma coautoria. Eles são responsáveis pelo que escreveram, pela forma como interpretaram suas visões, sonhos, a literatura disponível a eles, além de fatos históricos precedentes e de seu próprio tempo, dos quais fizeram leitura atenta e sóbria. Foram autores humanos primários que interagiram, por comunhão de interesses, com o autor divino. O Espírito Santo, por sua vez, lhes preparou previamente o respectivo campo de conhecimento para que pudessem efetuar seus registros com autoridade e credibilidade.

Não é diferente nos que são alcançados pela graça em todos os tempos, analfabetos e letrados. Analfabetos e surdos-mudos podem ler as Escrituras no ouvir a pregação e observar a vida da igreja quando esta se torna plenamente interativa com os autores humanos da Bíblia, no mesmo grau de equivalência em comunhão de interesses que estes tiveram com a obra do Espírito Santo. É claro que o diálogo dos letrados com o texto inspirado por Deus tem que se tornar mais quantificado e qualificado. Mas não pode haver diferença quanto ao grau de interesse que apóstolos e profetas manifestaram ao lidar com a gloriosa e soberana obra que o Deus de Abraão realizava neles e no mundo de seu tempo, dentro e fora da igreja.

O Espírito Santo produz nos que são efetivamente chamados um tipo especial de inteligência – a inteligência espiritual – que já vem acompanhada de especial grau de interesse em toda obra de autoria do Altíssimo. Assim, eles vivem em constante interação e coautoria com todos os autores humanos da Bíblia e, principalmente, com seu Autor Santo, que é sua causa primária.

Tuesday, April 07, 2009

SÍNDROME DE BABILÔNIA

É notável a forma como o profeta Isaías pronuncia imprecações sobre a antiga Babilônia, conforme se lê na Bíblia (Isaías 47 e outros). Uma das causas foi o flagrante espírito cultural de arrogância da cidade: “Eu e nada mais que eu” (47.8,10 – BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, Editora “Ave Maria” Ltda. Edição Claretiana, 1973). Este mesmo espírito também é denunciado por outro profeta, referindo-se aos etíopes e aos assírios: “Eu e só eu” (Sofonias 2.15, Ibid).
Desde então esse “babilonismo” pode ser atribuído a quaisquer povos, ideologias, facções políticas, esportivas, religiosas – enfim, toda e qualquer instituição que se julgue acima de tudo e de todos. Tal espírito não se manifesta com frequencia rotineira, mas, conforme as circunstâncias o exijam, pode emergir com agressividade irracional.
Nota-se ser esse o caso da Igreja Católica Apostólica Romana, representada pelo arcebispo de Olinda e Recife diante da interrupção da gravidez da criança de 9 anos, fruto do abuso sexual do próprio padrasto. A instituição se vê como a única que pode falar em nome de Deus – “Eu e nada mais que eu”, imitando Babilônia, e “eu e só eu”, ecoando a convicção dos etíopes e assírios, conforme acima referido.
Aliás, tem sido este o posicionamento oficial da instituição diante de todas as demais confissões cristãs, que são reduzidas a simples “comunidades eclesiais”. A verdadeira Igreja é somente a de Roma – “Eu e nada mais que eu”. Há poucos anos isto foi reafirmado oficialmente com todas as letras.
Esta síndrome de Babilônia é o que engessa e imobiliza a instituição em sua ética inconsistente, que produz sua cosmovisão dualista e a faz supor que recebeu um poder temporal acima de tudo e de todos, inclusive acima de qualquer poder de Estado. Obviamente, tal espírito contagia fiéis, tanto os simples quanto os letrados, e os impede de enxergar a plena justiça em um caso como este.
Mas por que, enquanto vários fiéis apóiam o arcebispo de Olinda e Recife, muitos outros também católicos se manifestam indignados com o posicionamento dele? É porque estes últimos estão livres dessa síndrome. Assim, têm facilidade de reconhecer a mão de Deus agindo também fora das fronteiras da instituição. Estejam certos ou errados, para eles, a ação da mãe e dos médicos, ou de quem quer que tenha agido pela interrupção da gravidez da menina, foi a verdadeira ordem de Deus nesse caso.

Monday, September 24, 2007

A VINDA DO REINO – 2: já está em nosso meio!

“Venha o teu reino” (Mt 6.10)

O anelo pela vinda do reino de Deus não pode ser apenas esperança para o futuro. Quem sinceramente o deseja, deve orar e trabalhar para que o reino de Deus seja manifesto de alguma forma aqui mesmo, enquanto a Igreja milita no mundo.

A idéia de esperança adiada desperta especulações, como a dos fariseus, que interrogaram Jesus sobre quando viria o reino de Deus (Lc 17.20). A história da Igreja registra muitos movimentos adventistas, ocupados unicamente com propostas de doutrinas escatológicas, mais futurologistas que bíblicas. Tais especulações lançam os curiosos muito mais em pesquisas e análises sobre a vinda futura do reino do que no trabalho e oração para que ele venha. Chegam a dar sugestões de datas para a volta do Senhor, delimitando períodos específicos.

À especulação dos fariseus, Jesus respondeu simplesmente: “Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.20-21).

O anelo pela vinda futura do reino de Deus só se justifica para quem sonha vê-lo se manifestando já em nosso meio, mesmo sem visível aparência aos olhos do mundo. A oração pela manifestação escatológica do reino só é aceitável diante de Deus enquanto oramos e trabalhamos pela militância das igrejas e seus campos missionários, no tempo que se chama Hoje.

Tuesday, August 07, 2007

A VINDA DO REINO - 1: amá-lo e deseja-lo de fato

“Venha o teu reino” (Mt 6.10)

Vimos que a santificação do nome do Pai é o primeiro anelo de um coração que ama ao Senhor. O segundo desejo é a vinda do reino de Deus.

Mas, qual é a nossa postura diante do reino de Deus? Ele realmente nos alegra? É, de fato, a nossa opção prioritária, acima de todas as necessidades desta vida? Como expressamos isto?

Os filhos de Coré (Sl 47) exortaram todos os povos a uma postura de júbilo e aclamações. Palmas, vozes, som de trombeta e cânticos de louvores são colocados ali como modo de celebrar, comunicando a alegria no reino de Deus. “Batei palmas”; “celebrai a Deus com vozes de júbilo”; “Salmodiai a Deus, cantai louvores; salmodiai ao nosso Rei, cantai louvores; ...salmodiai com harmonioso cântico”.

A razão é simples: “o SENHOR Altíssimo é tremendo, é o grande rei de toda a terra”. Ele é o Rei que merece ser celebrado em aclamações com palmas, salmodiado com cânticos harmoniosos em vozes de júbilo, ao som de instrumentos musicais.

Quem assim demonstra alegria no reino, por ele ora e por ele trabalha, o ama de fato, o deseja de fato. Sua oração “venha o teu reino” é sincera, vem do coração.

Tuesday, July 31, 2007

SANTIFICAR O NOME – 6: diante do mundo

“Santificado seja o teu nome” (Mt 6.9).

Já temos visto que a santificação do nome do Pai deve acontecer, primeiro, diante do próprio Deus. Depois, diante da igreja, os nossos irmãos do povo de Deus. Mas também nos compete santificar o nome do Pai diante do mundo incrédulo.

Os incrédulos são representados por duas classes. Uma, a dos que perseguem, fazendo oposição ativa e deliberada à Verdade, mesmo na ignorância. Outra, a dos que refletem com certo interesse e curiosidade sobre a fé em Cristo.

Foi considerando os da primeira classe de incrédulos, os opositores, que o Senhor exortou à confissão de seu nome: “Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32). A função primária dessa confissão é santificar o nome do Pai diante dos inimigos do evangelho.

Quanto à segunda classe, é o apóstolo Pedro quem nos exorta: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15). Aos incrédulos curiosos e talvez interessados, também confessamos o nome de Jesus. Se ele é santificado como Senhor em nosso coração, a resposta correta da razão da nossa esperança nEle lhes será dada.

Ore: “santificado seja o teu nome – no meu viver, no meu falar, no meu testemunhar”.